A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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sábado, 22 de janeiro de 2011

Dia de Reflexão

Na sequência do fim da campanha presidencial de ontem, pensávamos nós, no dia de hoje, depor aos augustos pés do leitor uma pequena súmula da dita cuja e reflectir um pouco sobre as virtudes e os vícios de cada candidato. Pura ingenuidade, caro leitor! Pura inocência!
Assim que manifestamos esta nossa vontade, logo um amigo nos diz:
- Ah! mas não podes! Amanhã é dia de reflexão!
Ao início, não o queríamos acreditar (porque o nosso amigo é um pouco folgazão):
- Mas estás a falar a sério?
- Sim, estou a falar a sério. Amanhã é dia de reflexão. Não podes falar sobre as presidenciais. É ilegal. – disse ele.

Com efeito, hoje, segundo o legislador é dia de reflexão. E dia de reflexão equivale a colocar uma mordaça sobre a boca, impedindo as pessoas de livremente exporem as pessoas sobre um tema sobre o qual se irão pronunciar no dia seguinte. Pelo que, para o legislador, o acto de reflexão é feito em silêncio. Para o legislador, a discussão de ideias consiste no seguinte processo: a pessoa dobrar-se, colocar-se em posição de chinês, cerrar as pálpebras, e meditar, mas em silêncio – tal como o faria um budista diante de Buda. Comunicar, porém, essas ideias, expô-las – cometer tal atrocidade isso não é possível.

O nosso legislador manifesta uma suprema confiança no discernimento dos portugueses. Julgando-os incapazes de pensar e decidir pela sua própria cabeça, delibera que na véspera de se pronunciarem sobre as presidenciais, todos se deverão calar sob pena de se influenciarem mutuamente. O legislador português pensa, portanto, que os portugueses são incapazes de avaliar o mérito intrínseco a cada ideia e que, consequentemente, são inaptos a separar o trigo do joio. Nos tempos que correm, em que a liberdade se pretende tão plena e tão absoluta quanto possível, e livre da intromissão do legislador, este senhor decreta o português incapaz para pensar e, velando pela sua segurança, silencia os indivíduos que podem, nefastamente, influenciá-lo e levá-lo a tomar uma determinada posição. A falta de discernimento é aquilo a que comummente se chama de estupidez: é uma inaptidão para ligar uma causa a um efeito. É isso que o legislador chama aos portugueses: estúpidos porque não são capazes de pensar por si, então o legislador, investido de toda a sua soberana razão, pensa pelos portugueses. Chama-lhes de pedantes porque não depositam confiança nele e no seu entendimento, e por consequência, ele é incapaz de distinguir imediatamente o que é justo num caso particular.

De entre todas as espécies que existem no universo, o homem é a única capaz de reflectir, de transformar abstractamente todo o elemento intuitivo num conceito não intuitivo da razão. O legislador português julga que essa é uma tarefa do eremita, solitária, e que por ser embaraçosa, deve, por isso, permanecer no interior dos homens.

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