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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Reforço do Fundo de Estabilização ou Eurobonds?

O Sr. Durão Barroso parece, finalmente, ter ganho consciência do cargo que desempenha e das suas responsabilidades na liderança da Comissão Europeia. Isto porque, autonomamente, livremente, independentemente, o Sr. Barroso decidiu fazer uso da matéria cinzenta que existe entre o seu crânio, sem consultar a Sra. Merkel e ter o desplante, o descaramento, e a desfaçatez de dizer que o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) necessita de ser reforçado. Isto, segundo noticia, a Der Spiegel, deixou a Sra. Merkel furiosa – porque não foi previamente informada. E supomos que deixou igualmente a prestigiada Der Spiegel aborrecida. Porque a prestigiada revista alemã largou a compostura e a imparcialidade jornalística para insultar positivamente o Sr. Durão Barroso. Eis algumas das tiradas irónicas da Der Spiegel:

In Azerbaijan, Barroso is a great man”.

Algo irónico, não parece? É que aproveitando a visita de Barroso ao Azerbaijão para tratar do fornecimento de gás natural à Europa, o Sr. Barroso foi algo bajulado pelo Presidente do País, o Sr. Aliyev. Pelo que, para a Der Spiegel, o Sr. Barroso não consegue ganhar respeito na Europa, mas tão-só no muy reputado Azerbaijão. Falamos, obviamente, no Presidente da Comissão Europeia: um traste andrajoso.

The man with a reputation for being more of a pussycat than a lion suddenly wants to be the savior of the euro.”

Mas esta afirmação parte, de facto, a loiça toda. Numa peça jornalística que se pretende informativa e imparcial de forma a que os cidadãos possam informar-se e autonomamente retirar as suas próprias conclusões – note-se o tom que é utilizado nesta frase que soa praticamente a escárnio.

Olhemos, no entanto, a substância da questão principal – o reforço do FEEF. A Alemanha não se opõe totalmente ao reforço do FEEF, mas opõe-se ao timing. A Sra. Merkel e o Sr. Schauble defendem que o FEEF não está pressionado e tão-pouco a sua capacidade esgotada. Para além disso, dizem que, recentemente, Portugal e Espanha foram bem sucedidas nas colocações de dívida na semana anterior. Á Sra. Merkel e ao Sr. Schauble citamos a opinião do Nobel da Economia de 2008, o Sr. Krugman: com mais umas emissões de dívida a 6,7% e veremos o que os políticos apelidam de sucesso. Essas emissões de dívida apenas podem ser consideradas de sucesso se algo for feito no curto prazo, ou seja: já.
E mesmo o reforço do FEEF pode revelar-se curto – e na minha opinião assim o será. Porque qual é o problema do actual FEEF? Continua a ser um fundo cujas garantias são asseguradas pelos governos nacionais. Pelo contrário, as já muito faladas eurobonds responsabilizam conjuntamente todos os estados da zona euro, assegurando e serenando as colocações de dívida no mercado. É a única verdadeira arma de que a zona euro dispõe para acabar com a crise. A solução que a Alemanha defende é curta: é suficiente para acalmar os mercados um par de dias, para depois voltarmos ao mesmo velho problema.
E mesmo assim, a Alemanha não concede o reforço do FEEF sem que alguns desejos lhe sejam atendidos: o leitor já adivinhou – mais austeridade. A Alemanha pretende, com efeito, o reforço da coordenação na zona euro – mas segundo os seus termos, e segundo os ditames da austeridade. Já o reforço da coordenação da zona euro através da criação de uma agência europeia de dívida que transforme as obrigações dos Estados soberanos em obrigações soberanas da zona euro – nem pensar. Eis então o que a Alemanha pretende: a Alemanha até está disposta a aceitar o alargamento da capacidade do FEEF, mas ir para além desse alargamento nunca! Um reforço modesto de FEEF, portanto e nada mais.
Eis o que a este propósito pensa o Sr. Wolfgang Munchau, respeitado colunista do Financial Times, e melhor que tudo, imparcialmente alemão, comparando as alternativas reforço do FEEF e eurobonds:

“Não está bem claro se a opção FEEF menor/incumprimento seria mais barata. Pelo contrário, para o sistema no seu todo, seria provavelmente mais dispendiosa e arriscada.”

Parece, pois, claro o caminho a seguir: falta é coragem política. E a Europa poderá pagar durante décadas a cobardia da sua actual geração de políticos.
PS: Apesar de o post anterior do Lord Nelson ter incidido sobre a questão tunisina, aqui fica ao leitor uma sugestão de leitura sobre o mesmo tema - uma coluna de opinião brilhante de Abdellah Taia, vencedor do Prix de Flore 2010, no jornal Le Monde, intitulada Le réveil du peuple arabe.

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