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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Notas sobre as Presidenciais

Lord Nelson teve já oportunidade de, levemente, suavemente, com as pontinhas dos dedos de tratar o assunto das Presidenciais. Pois bem: nós, mais brutos, mais funestos, voltamos ao assunto mas partindo da nossa perspectiva. E queremos desde já iniciar pelo tema da abstenção, dos votos brancos e dos votos nulos. A percentagem da abstenção sabemos como foi: 53% - a mais elevada de sempre. Um sinal que os problemas surgidos com o exercício do direito de voto não beliscam. Votos brancos – foram quase 200.000; mais de 4%. Os votos brancos são, no meu entender, um sinal bem mais grave da enfermidade da democracia portuguesa que nos rege hoje do que a abstenão. Demonstra que existem cerca de 200.000 portugueses conscientes das suas responsabilidades de cidadão e cientes da sua condição que exercem o seu direito de voto mas que não encontram em nenhum dos candidatos um quadro mínimo de valores com que se identifiquem. Um conjunto de candidatos que não consiga transmitir um conjunto mínimo de valores capazes de convencer 200.000 eleitores não significa uma enfermidade da democracia e do sistema – representa, isso sim, uma enfermidade dos intérpretes da democracia e do sistema. E uma enfermidade que acompanha a democracia portuguesa há já três décadas. Sucessivamente, durante 30 anos, um conjunto de políticos revezam-se; os rostos mudam é certo, as ideias, porém, permanecem as mesmas.
Um pequeno exemplo para atestar da qualidade dessas ideias: no último dia da campanha presidencial, o Presidente da República reeleito, na ânsia de capturar meia dúzia de votos, criticou o Governo pela redução de salários na função pública. O Sr. Cavaco Silva sugeriu antes como forma de obter de reduzir o défice orçamental a criação de um imposto excepcional sobre os mais ricos. Decerto, o Sr. Cavaco Silva não ignora que aquando do primeiro Programa de Estabilidade e Crescimento foi criado uma taxa adicional em sede de IRS de 45% para os rendimentos superiores a 150.000 euros por ano. O Sr. Cavaco Silva estava ciente disso; e, no entanto, produziu aquela afirmação. Que nos diz isso do seu carácter? Que é um demagogo, que é um populista, que é um mentiroso – porque como reputado economista que é e afirma ser, sabe que os cortes na Administração Pública eram inevitáveis e que, somente, pecam por tardios, face aos elevados cortes que o Estado tem que operar na despesa pública, representando os gastos com pessoal a maior rubrica das despesas do Estado. E que a partir de determinada taxa, o imposto deixa de ser um verdadeiro imposto, cobrado pelo Estado para fazer face às despesas públicas, para se tornar num verdadeiro confisco.
E será pois este populista, este demagogo, este mentiroso que presidirá aos destinos do País nos próximos anos. O problema de Portugal é que sucessivos populistas, demagogos e mentirosos se têm apoderado do poder, negligenciando a coisa pública e atendendo apenas ao interesse pessoal pela reeleição ou ao interesse partidário. Não se trata de um problema do sistema, trata-se de um problema dos intérpretes do sistema: não surge na cena política portuguesa uma única personalidade capaz de se elevar pelo mérito das suas ideias, do seu trabalho, da sua dignidade, da sua ciência, da sua integridade.

Estas eleições trouxeram também sinais importantes à esquerda. E não representa a derrota do Partido Socialista – representa sim a derrota do sector à esquerda do Partido Socialista que é, de resto, um sector cada vez mais marginal dentro do Partido. Hoje em dia, o verdadeiro socialismo não se faz aproximando-se do radicalismo do PCP ou do BE: faz-se antes afirmando a diferença para esses partidos que se refugiam na sua irresponsabilidade governativa para atacarem o PS porque sabem que nunca terão de arcar e responder pelas consequências das suas políticas. E Alegre descobriu bem as consequências de se juntar ao Bloco de Esquerda. Continuo a entender que o Partido Socialista tomou a decisão correcta ao apoiar Manuel Alegre – porque não havia alternativa. A existência da candidatura de Alegre no PS impossibilitou a existência de outra candidatura com possibilidades reais de triunfar pela divisão que comportaria à esquerda. Quem errou foi sim Manuel Alegre ao aceitar o apoio do Bloco de Esquerda: a união do PS ao PCP e ao BE é ontologicamente impossível pela oposição de valores que os contrastam. Uns representam a velha esquerda; os outros a moderna esquerda. E é isso que os militantes socialistas têm de entender, mas sobretudo os militantes ainda enclausurados a uma esquerda desfasada do tempo e da realidade: a verdadeira esquerda apenas pode existir dentro do Partido Socialista: a esquerda que defende o Estado Social mas não alheada da realidade e da conjuntura e dos desafios que enfrentamos. Enquanto a esquerda mais à esquerda for incapaz de entender isso, qualquer aliança de esquerda não será uma operação de soma, mas de divisão. As clivagens ideológicas existentes entre PS e o PCP e BE pelo seu radicalismo de discurso impossibilitam qualquer possibilidade de união. E nesse aspecto PSD e CDS apresentam clara vantagem, sobretudo agora com a liderança de Passos Coelho e a viragem ainda mais à direita em direcção ao CDS.

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