A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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terça-feira, 9 de março de 2010

Carta a F.

A F.

Porto, Março


“Meu esposo,”

“Existes tu de verdade, meu F.? De que Éden nasceste? De que barro te moldou o Omnipotente com as suas divinas mãos o teu corpo? Mas és tu real?...”
“Tu! que sempre estiveste nos meus sonhos, mas até agora não eras mais do que um maravilhoso espectro que pairava, deliciosamente, sobre as minhas noites…Mas agora esse espectro revestiu-se de uma carnação rósea dotada de consistência. Aquela visão incessante matizou-se de vida! Agora, hoje, meu amor, não sonho já de pálpebras fechadas com uma qualquer quimera, mas ela mesmo é a minha realidade, de pálpebras bem abertas…Eu conheci essa perfeição de que falas…Escutaste essa reverberação nas pancadas do meu coração, fortes e cadentes, enquanto me beijavas?”
“E é como se te conhecesse há anos e não apenas há uns meses – mas que imensos esses meses me parecem!...Mas, nesses tempos, tu eras ainda aquele delicioso espectro e não a adorável forma real que és agora aos meus olhos…Foste tu, meu Apolo, deus do Sol da minha vida, quem desceu sobre mim e exerceu aquela influência divina da Luz e das Claridades, que revelam as verdades mesmo àqueles que as recusam…Foste tu quem me alumiou esta minha existência…”
“Como és tu capaz, meu Apolo, tu que és o Deus da Perfeição, da Beleza, da Harmonia, do Equilíbrio, da Razão dizeres que és um ser imperfeito?! Oh!, meu amor, não imaginas a constante e incessante luta que empreendo para buscar essa tua perfeição a que tanto aspiro…Meu amor, não vês tu que sou eu que procuro não ser a sombra nessa tua imensa luz, uma negra e funesta Lua escondendo o alumiar do Sol em dia de eclipse, a mácula nessa imaculada brancura? Diz-me, meu amor, sou eu a luz suficientemente clara onde o teu peito se dilata? Sou eu a canção suficientemente melodiosa onde o espírito embala? Sou eu a voz suficientemente luminosa para afastar os cegos de amores das negras trevas para as claridades dos Sóis? Sou eu os cabelos suficientemente suaves e macios para merecerem o toque da tua mão? Sou eu a pele suficientemente terna e delicada para merecer a carícia dos teus dedos? São eu os lábios suficientemente puros para beber o néctar dos teus? Sou eu as mãos suficientemente quentes para receber o calor das tuas? É meu peito aquele, como Baudelaire canta, onde todos vêm buscar a dor, onde o poeta inspira esse amor mudo e eterno que no ermo da matéria medra?”
“Até entrares nesta minha vida de insuficiência eu sempre buscara mais do que um vão esqueleto revestido da carne. Mas tu, meu bom deus do sol, nunca havias iluminado esta minha treva de existência…Nunca eu tinha contemplado os teus reflexos de oiro!...Até que me apareceste – e então soube. A tua alma não era um mero ornamento ao serviço do corpo – da carne. Era ela a verdadeira flama e o fogo com que estendes os teus raios vaporosos sobre este pedaço de Céu em que me encontro agora…”
“Assim, meu Amor, gostaria que fosses para todos invisível e que eu – só eu – fosse a tua Musa…E tu fosses o Pintor desta minha existência para que a revelasses, não sobre a superfície duma tela, mas sobre a profundidade duns versos que declarassem, através do esplendor das palavras as luzes do meu corpo e os abismos desta minha alma…E enfim, tal como tu, o que apenas te asseguro – é que te adoro, e te adoro, e te adoro, e te adoro!...”
“Eternamente Tua”
J.

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