A mais bela, a mais pura e a mais duradoura glória literária de prosa da blogosfera

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quinta-feira, 18 de março de 2010

O Poder Segundo o Poder

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No post de hoje vamos falar de um livro. Não penseis, ó leitor, que se trata de um bonito romance de cordel… A matéria a que costumamos andar atento é bafienta e tem camadas de pó – trata-se da História (afinal somos um Lord e não uma Lady).
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Julgamos meritória qualquer obra que pretenda incutir nos jovens o gosto pela História. Trata-se de um Saber fundamental para nos compreendermos enquanto pessoas e para compreendermos o mundo em que vivemos. O homem não é Homem se não souber de onde vem. Mas isso já todos nós sabemos e ninguém coloca em causa. Porém, colocamos em causa outras coisas, coisas essas que há em abundância neste livro (aqui mesmo em baixo).
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Apenas agora cuidamos de falar desta obra pois foi recentemente que soubemos da sua existência – como costuma encontrar poiso nas estantes da literatura juvenil e como nós já não vamos para jovens, passou-nos despercebido. No entanto, uma vez encontrado e folheado não pudemos deixar de ficar impressionados com este livro que tem a chancela da Assembleia da República - impressionados negativamente (e eis que se demonstra os perigos do Estado se imiscuir na cultura); Passamos a explicar:
O que nos apoquenta é a forma como é relatada a implantação da república. A transição do regime é contada de forma a não deixar dúvidas aos jovens leitores sobre qual deles é o melhor. Permitimo-nos transcrever uns excertos:
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Quando havia eleições, ora ganhava um, ora ganhava outro” [refere-se à alternância democrática do final do século XIX]. “Acontece que, nesta época, ainda só havia controlo dos votos em Lisboa e no Porto. No resto do país, sem vigilância os senhores mais importantes da terra podiam alterar os resultados das eleições e fazer ganhar o seu partido, obrigando os empregados a votar em quem eles queriam”. Aqui pode colocar-se já uma questão: se não havia controlo dos votos para quê a maçada de obrigar as pessoas a votar? Enfim. No período republicano a obra nada diz acerca desta matéria, inferindo-se pois que as fraudes tinham acabado, o que consistiria numa clara vantagem pela adopção deste último regime (e aqui relembramos as palavras de Vasco Pulido Valente acerca do processo eleitoral na primeira república, in A República Velha: uma fraude mais vasta e descarada do que tudo aquilo a que no passado se atrevera a monarquia);
Outra situação que nos merece reparo é este excerto: "Em Maio de 1911 realizaram-se as primeiras eleições da República. Puderam votar todos os homens com mais de 21 anos, incluindo os analfabetos, desde que fossem chefes de família." Até aqui é verdade, mas uma verdade contada até meio pode tornar-se numa mentira… Se não vejamos: O governo provisório da república decidiu que não haveria eleição nos círculos em que não se apresentassem oposições – na maior parte do país ninguém foi às urnas! Depois das eleições de 1913 os analfabetos passaram a ser excluídos do recenseamento o que eliminou mais de metade dos eleitores. De referir que essas eleições tão democráticas (as de 1911) deram a vitória ao Partido Republicano Português com uma votação de 97,9% o que faria inveja a Sadam Hussein! As autoras contam o número de deputados eleitos e da média de idades deles mas esqueceram-se de referir o resultado das eleições! Curioso!
Pedimos ao benévolo leitor um pouco mais de paciência para mais um exemplo: "Enquanto preparava eleições esse governo aprovou leis revolucionárias para a época: separação entre a igreja e o estado, o que em Portugal foi uma total novidade.Isso significava por exemplo que os registos de nascimento, casamento e morte, que anteriormente eram feitos nas igrejas, passaram a fazer-se no registo
civil
”. Mais duas imprecisões: primeiro não se procedeu à separação entre o estado e a igreja mas à subordinação da igreja ao Estado; segundo não se criou o registocivil! Ele já existia… Apenas não era obrigatório podendo a pessoa optar por onde queria inserir os seus registos.
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O dualismo bem/mal pode funcionar muito bem no cinema norte-americano main stream. Não funciona na História. Não pode haver uma obra com pretensões de isenção que procure catalogar determinadas situações como trevas e outras como a luz. Tal é erróneo e perigoso, especialmente quando se trata de público jovem.
O mais grave de tudo isto - se bem que já é muito grave querer fazer passar um folhetim por uma obra científica – é o facto de nisto haver dinheiros públicos e a chancela da Assembleia que a todos nós nos representa. Independentemente de sermos monárquicos ou republicanos, se gostarmos de História (ou da honestidade e do rigor intelectual) não podemos deixar de criticar esta obra. É um dos piores exemplos que temos visto em já muito tempo. Mal andou a Sra. Ministra e a sua Co-Autora e mal andou a Assembleia.
A quem o ler – que o leia com espírito crítico e não acredite no pretenso ar científico e isento com que se apresenta.


Uma última nota para acabarmos com este assunto – 1: afinal os presidentes de junta não são todos roncadores; 2: O Dr. Carlos confunde legitimidade de título com legitimidade de exercício; 3 – as notícias recentes podem ler-se nos jornais; falo das antigas para ninguém se esquecer delas…

1 comentário:

M. Pompadour disse...

O que me deixa feliz neste post todo são as letras miudinhas...eu depois mando a conta do oftalmologista. x)

Ainda bem que os presidentes de junta n são todos roncadores, pq se o são já me roncaram mts elogios rasgados e isso contenta-me.lol

E depois oh Dr Nelsu..deixe lá as criancinhas crescerem na ilusão das histórias de encantar, têm tempo de enfrentar a dura realidade. :p Só criticam!